quinta-feira, 4 de junho de 2015

O SEGREDO DO ABADE



                           “Em trovas românticas”

Contou-me pela tardinha
Uma mulher de Guardizela
Que lhe contaram a ela
Esta lenda tão velhinha.

Venha ver, meu caro senhor,
No chão a placa pisada
Dizem que ali enterrada
Jaz uma história de amor.

Está fora do campo santo
E ninguém sabe porquê
O nome já mal se vê
Mas é p´ ro povo um espanto. 

Aqui na aldeia viveu
Há muito tempo passado
Um tal barão abastado
Que na guerra se perdeu.

Quando os franceses chegaram
À sua casa e aos quintais,
Galinheiros e coisas mais
A toda a gente limparam.

Foi tão grande a confusão
Que a criada, meia tonta,
Fugiu e ninguém deu conta
Com uma menina p´ la mão.

Dizem que era do fidalgo
A criança que ela levava
E por tudo procurava
Conseguir pô-la a salvo.

Saber já nunca se há-de,
Se era dos dois a menina
Chegando, depois da matina,
Ao pardieiro do abade.

Como era de madrugada
E se via bastante mal
Concluiu que era o passal
E não ficou descansada.

Estava ela assim pensando
Quando o abade a descobriu
E, ao vê-la, logo sorriu
Sua criança acarinhando.

- És tu, Mariana infeliz,
De quem é esta menina
Ainda tão pequenina
Que à tua sorte condiz?

- Filha minha, senhor prior,
Mas eu tenho muito medo,
Se descobrem o meu segredo
A desgraça será maior…

- Não temas, ó rapariga,
Teu segredo fica comigo
Apenas a Deus o digo
Pra que ninguém te persiga.

- Ficas cá, como criada,
Se alguém notar eu direi
Que a menina que criei
É minha filha adoptada.

- Senhor prior, senhor prior,
Tirou-me de mim este peso
E o fidalgo que está preso
Não saberá minha dor.

- Se ele qualquer dia voltar
Eu logo desapareço
E assim a Deus agradeço
Por, finalmente, a salvar.

Aqui tem a estranha história
De um segredo de espantar
Que nunca se há-de apagar
Nesta aldeia com memória.

Logo que a guerra acabou
Soube-se p´ la voz do vento:
A menina foi p´ ro convento
E o tal fidalgo se matou.

Mariana, deu em demente
Passando as horas a fio
Debaixo do sol ou ao frio
Partindo pauzinhos ausente.

Este segredo é mistério:
O abade ficou na lenda
Sem a divina reprimenda
P´ ra tão grande vitupério!

Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA


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